Se exibindo – Como os achievements e os troféus mudaram o ato de jogar videogame

Todo jogador de videogame tem uma (ou várias) loja(s) na(s) qual(is) costuma dar “aquela passadinha” ocasional de forma a pegar na mão as novidades, olhar com tentação para as edições especiais e, de vez em quando, estourar de forma dramática o próprio orçamento em busca de um item especialmente raro. Eu vou poupar os nomes verdadeiros e o local do acontecimento, mas entrei em uma loja de games aqui de Campinas por volta das 17:45 enquanto esperava minha esposa, que trabalha nas proximidades. Um vendedor com o qual tenho amizade estava jogando X-Blades do 360 em um dos aparelhos. Eu olhei a parede de clássicos a disposição do vendedor e perguntei:

__ Cara! Por que diabos se tá jogando X-Blades se você tem a porra de Mass Effect 3 para começar? Isso sem falar que Conan tá ali na estante e é milhares de vezes melhor que essa merda! 

A resposta me petrificou

__ To minerando achievements! 

“Estou minerando Achievements!” se tivessem me acusado de um crime infeliz de infância (como não comer meus vegetais ou entrar em um cinema com vômito falso e jogar na galera) eu não teria me sentido tão culpado quanto me senti ali. Eu já havia feito aquilo? E levando a sério as instruções de mestre Yoda eu sondei meus sentimentos… porra… eu fazia aquilo em bases diárias!

Achievements não são coisa nova nos games. Antes de aparecerem como um ponto massivo e cotidiano no 360 a ideia dos achievements já povoava os games, mesmo sem aquele sonzinho e a mensagem em cinza. Por exemplo, qualquer Metroid ou TODOS os jogos da RARE podem ser completados sem se pegar todos os itens ou visitar todas as áreas, mas nos queríamos, desejávamos, mais, nos precisávamos ter a tela de status do game com um monte de 100% (ou, em alguns games, até mais que 100% como o famoso 101% de Donkey Kong Country ou o ilustre 120% de Castlevania Simphony of the Night). Era nada mais do que o direito de se exibir, de chegar para os outros amigos e dizer “Eu destruí DK!” ou “Eu vi cada centímetro do castelo do Drácula! O invertido também!”. Com o tempo os games começaram a avisar seus jogadores: não raros eram os adventures do PS2, como Ratchet and Clank, que informavam, em uma tela de status, quantos itens secretos haviam numa determinada área ou quantos colecionáveis estavam ali – Going Commando, o penúltimo dos Ratchet and Clank do PS2 chegou a colocar mensagens no quanto superior da tela quando se cumpria alguns dos objetivos especiais. A Valve também explorou muito isso – os jogos disponíveis pelo Steam normalmente tem Achievements que também aparecem como uma mensagem não intrusiva. Depois da adoção dos Achievements pelo 360, e a percepção do efeito social que eles tem sobre os jogadores, quase todo mundo na indústria buscou uma maneira de “encaixar” achievements na suas experiências; com maior (WOW) ou menor (Troféus da PSN) grau de sucesso.

Tá, somos loucos por achievements! Mesmo aqueles que não representam nada como, por exemplo, o achievement “Kill Locust (Like a Boss)”, de Gears of War 3,que nada mais é do que juntar outros 4 amigos que tenham o season pass, e portanto acesso na skin “Onyx Guard” e todos usando a mesma skin ultrapassarem uma onda de chefe no modo Horda – vale 100 G!!! 100 G!!! O mesmo que terminar CoD 2 no veteran, algo que me tomou umas 30 horas da vida! E pode ser feito em meros minutos, se você tiver os contatos. E realmente não representa nada além do fato que você tem mais 4 conhecidos com o game e o Season pass. Não foi uma heroica demonstração de habilidade ímpar – mas milhares de outros jogadores não terão aquele Achievement. E alguns deles comprarão o Season Pass (ou a Skin) ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE na busca daquele Achievement. Então além de sermos loucos por achievements eles passaram a não necessariamente representar habilidade ou vitória nos games. Então por que gostamos tanto deles?

Segundo o CEO da Valve, Gabe Newell, conquitas podem ser positivas “Conquistas dão um novo sabor a desafios que pareceriam desnecessários a primeira vista. Seria como dar um doce se seu filho tirar 10 na prova – ele não precisa tirar 10 e não será punido por nenhuma nota igual ou acima do mínimo necessário para passar. Mas vai persistir ainda mais no objetivo de conquistar aquele diferencial. Nos games o caminho do começo ao final da história é normalmente linear e restrições de construção cinemática forçam com que apenas entre um ¼ ou 1/3 do game sejam verdadeiramente voltados para o que o jogador pode interagir (inimigos, puzzles, alavancas, botões, cenários destrutíveis, etc…) enquanto o restante constitui cenário “vazio” que está lá para construir ambiente e verossimilhança – normalmente o jogador passaria por ali sem nem prestar atenção mas se houver uma única conquista a ser ganha o jogador ira revirar as partes do cenário, que normalmente seriam inúteis, até encontrá-la. Isso pode ser usado tanto como “muleta” pela equipe de criação, para possivelmente estender o tempo do jogo, como uma ferramenta de criação, para guiar o jogador a um tour pelo cenário levando-o a áreas que ele poderia não ver em sua primeira interação. “ enquanto o sempre genial criador de Fable (e mentiroso de galocha) Peter Molineux é contra eles “Eu as odeio. Conquistas matam toda a imersão do jogador com a trama e o universo do game. Quando o jogador começa um épico fantasioso ele quer achar seus aliados, destruir a besta e ficar com a princesa. Ele não quer ter que perseguir todos os leprechaus ou ver todos os desenhos feitos pelos elfos da floresta. Mas existe tamanha competição entre os gamers que jogos sem ou com poucas conquistas acabam mal falados e muitos jogadores ligam seus aparelhos e olham quais troféus podem ser atingidos em cada área antes mesmo de iniciar o jogo. Antes, descobrir que podia-se derrubar uma porta para matar um determinado monstro ao invés de minar as forças dele as poucos era considerado um momento incrível de esperteza – agora é premiado com um símbolo ou uma barulhenta tarja cinza.” mas não a ninguém que discorde que elas vieram para ficar. Até mesmo o Wii U já mostrou que terá um sistema semelhante aos Achievements para coroar os momentos incríveis feitos pelo seus jogadores. Mas será que paramos de jogar os games por eles e começamos a jogar pelos achievements/troféus?

 

Se você olhar a estatística de locação de games da Gamestop e da Rent-a-game americana você vai ver que sim! Principalmente nas épocas de vacas magras (sem nenhum grande lançamento bombando as prateleiras) os jogos mais alugados nos EUA são os que figuram no topo das listas de Easy achievements – com especial atenção a Avatar: The Last Airbender que tem um Achievement de 200 G só para ser terminado em qualquer nível de dificuldade e outro por golpear 300 vezes que vale 100 G (eu já comentei lá em cima sobre 100 G, lembram?!). Aparentemente, nós, gamers, somos, sim, muito pressionados por nossos pares em conseguir Achievements e troféus – se não pelo direito de nos gabar deles pelo menos para sermos reconhecidos como membros capazes em nosso hobby (eu não estou zoando. Clãs de WOW não aceitam certos jogadores que não tenham certas conquistas enquanto guildas de Halo: Reach já fecharam a porta na cara de jogadores bons que simplesmente não tinham os achievements requeridos).

E quando eu percebi que fazia isso, e que não só fazia mas que vinha participando de uma batalha voraz de mais de um ano e meio com um amigo (período no qual nos, literalmente, dobramos nossos Gamescores) desistindo por muitas vezes de jogar games que queria jogar em favor de mais e mais achievements eu fui tomado por um terror súbito – quando havia sido a última vez que eu havia feito uma maratona de Zelda? Quando foi a última vez que eu sentei para simplesmente jogar Mario 3 (não conta jogar nos portáteis – estamos falando de sentar na sala e literalmente escolher entre jogar Crysis 2 e Super Mario 3; acreditem entre um jogo da Nintendo e Crysis, que é um jogão, a Big N sempre vence!)? Quando vezes eu reprimi a vontade de jogar Alan Wake ou Half Life 2 de novo simplesmente porque “eu não consigo pegar os últimos malditos achievements e isso me frustra”? É quase como um crítico de cinema que decidisse criar um check list e desse nota para filmes com base nele (“Uhm… vejamos… nenhum pênis frontal, -0,02, nenhuma nudez, -0,5, nenhuma cena de ação, +3,5, dirigido por Scorcese, +4,0…”). Embora eu não tivesse diminuído o número de games sem achievements que eu jogava, assim que terminados umas 2 vezes, ainda que fossem incríveis, eles eram colocados de lado em nome de mais achievements. Eu olhei para Skyward Sword e tive vergonha de mim. É o melhor Zelda de todos os tempos e eu só o terminei 2 vezes – mas já estou no caminho da redenção tendo começado mais um gameplay dele. 

E é sobre isso que eu venho falar aqui. No passado eu falei de dificuldade: de como eu achava que a dificuldade frustrante de certos games e certos modos tornavam o processo de jogá-los pouco divertido e imensamente estressante – quase elevando o ato a um nível profissional de habilidade. Agora eu venho perguntar: ficamos escravos do score? Platinar (para quem não conhece a gíria é o ato de pegar todos os troféus) um game se tornou mais importante do que jogá-lo do começo ao fim e simplesmente viajar na atmosfera proposta? Eu realmente preciso de um achievement para me dizer que foi incrível terminar Dead Space, Skyward Sword, Mario Galaxy ou Mass Effect? E já que levantamos essa pergunta eu realmente preciso de um achievement para dizer que eu terminei meus games no nível mais difícil? Será que ainda posso sentar e jogar videogame como na época dos arcades e só comentar com os meus amigos como foi incrível quando “matei o Bison com um soco fraco!”? 

Concordam? Discordam? Querem mandar esse gordo ficar quieto? O espaço aí embaixo é todo de vocês!

Avatar de Desconhecido

Sobre Marcel Bonatelli

Historiador de games e jogador inveterado eu respondo todas as suas dúvidas sobre games e o mercado de games no site minicastle.org ou no email marcelbonatelli@minicastle.org

5 pensamentos sobre “Se exibindo – Como os achievements e os troféus mudaram o ato de jogar videogame

  1. O Castlevania Sinfonia da Noite era 209.6%, ou discutiveis 214.3% hahahaha

    Os troféus/achiviement deveriam ser encarados como um ‘a mais’, ou como uma checklist pros jogadores que gostam de ‘gabaritar’ os jogos – como nos tempos de Crono Trigger, onde era nosso dever ver todos os finais, ter todas as skills e todos os itens em 99 -, mas hoje tem gente que joga Hanna Montana porque é facil de ‘platinar’ e passar na frente dos outros. Galera curte competir, essa é a verdade 😛

  2. Cara, creio que é bem isso mesmo a realidade. Fiquei jogando algumas hrs a mais de assasssins creed para coletar mais achievments e ultrapassar um amigo.meu nesse jogo. Creio que se trata de uma coisa de jogador pra jogador, e cada um pode deci dir ate que ponto tal rivalidade vai ditar seus habitos nos games. De qualquer forma, vc tem esse jogo do avatar?

  3. Bom, no meu caso, não ligo para a parte de “reconhecimento” do jogo.
    Na verdade houve apenas 1 que me levou a querer todos os troféus, porém quando notei que estava trocando a diversão por “obrigação”, vendi sem saber tudo (jogo Heavy Rain).
    Acredito que não teremos como nos livrar dos troféus e a busca por eles, até porque temos uma natureza competitiva. Exemplo: os prestígios do CoD, que nem sempre são positivos, mas que todos fazem só para mostrar suas insígnias.
    Só não concordo quando a busca por eles seja motivo de stress e obrigação.
    Pessoal, VG é diversão!

  4. Excelente post, Marcel. Eu acho o sistema de Achievements muito legal! Gosto de competir e vejo essa questão bem mais para o lado positivo. Acredito que é uma forma de aproveitar mais do jogo e que serve – além de dar orgulho – para nos incentivar. Porém confesso que me tornei escravo do Arkhan City e ainda tô longe de platinar (a propósito peguei todos os coletáveis já há um tempo).

    Meu, não seria legal ganhar alguma coisa por ter terminado Ghouls and Ghosts (Mega Drive/Snes)? Cacete, no último boss vc descobria que a arma para matá-lo estava na primeira fase e nem rolava um fast travel de volta. E socar uns 6000hits no Devil Kings 2 (PS2).

    Enfim, desde que voltei a jogar XBOX360 no gás, venho pensando nisso, muito bom.

    Sugestão de post: “o povo quer saber. Fotos e vídeos do cantinho gamer dos integrantes do Minicastle (e pq não dos leitores”

    Abraço! té +

  5. Eae galera não sei se concordarão comigo, más, confesso que sou fanático por troféus/achievements, afinal sempre sempre sempre fui fanatico por zerar um jogo (fazer com que houvesse zero coisas a mais para fazer), não para me gabar ou para mostrar para alguem, muito menos por obrigação, más sim porque, eu sou um dos caras que curte completar um jogo 100% ou mais né… hehe
    Tipo gosto de pegar algo e ir até o verdadeiro fim, como por exemplo crash é um jogo que com certeza é impossivel zerar pegar todas as reliquias de corrida em platina… Mas sempre que eu conseguia uma de platina achava um tesão supremo e tinha vontade de pegar outra, se existissem troféus nesta época com certeza absoluta eu não pararia nenhum momento de jogar até conseguir completa-lo, mas não por obrigação, simplesmente pq eu amo fazer as coisas por completo, nao simplesmente enfrentar o ultimo xefe e sair falando por ai “nossa zerei o jogo” igual muitos fazem, zerar o jogo não é simples quanto parece, zerar seria pegar um castlevania e alem de completar o mapa pegar o escudo da cabeça de medusa que muitos nem imagina que exista, zerar o jogo realmente faz o jogador usar toda sua imaginação e faz com que ele se interaja totalmente com o jogo, voltando para o assunto, os trofeus nos ajudam a interagir melhor com tudo, afinal criar um jogo da um trabalho danado e realmente seria legal se pudessemos interagir com tudo nao simplesmente derrotar o ultimo xefe do final fantasy com seus personagens no level 60 porque, vai que no level 80 eles aprendam novas skills, entao os trofeus sao otimos auxilios para que possamos usar e abusar do jogo e fazer com que cada centavo que tenhamos pago no jogo valha pena, ou para simplesmente fazer com que todo o trabalho dos criadores do jogo tenha valido a pena, porque afinal de contas que graça tem o criador do mario galaxy inventar todas as 121 estrelas para pegar se os jogadores falam que zeraram o jogo pegando apenas as 60 necessarias, por isso vale muito a pena essa invenção de achievements/trofeus, pois é muito mais gostoso voce dizer zerei o jogo realmente pegando tudo, do que simplesmente joga-lo e dizer zerei (pq pensa que nao tem mais o que fazer)…
    Eu como futuro desenvolvedor de games tenho grandes ideias para renovar todo este esquema uma delas, é tirar esses achievements bestas que voce nao faz nada e ganha mto ponto, arrumar os trofeus que voce precisa simplesmente matar um monstro para obter, e adicionar milhares de trofeus para que o jogador se orgulhe de cada passo feito, cada sofrimento que ele teve de enfrentar, e cada collectible que ele conquistou, afinal nao é nada facil zerar super metroid pegando todos os energy tanks, e se alguem conseguir fazer isso porque nao ganhar um premio para torna-lo mais orgulhoso de si mesmo?

    abraços Gotico4eva (PSN)

Deixar mensagem para Bruno Cancelar resposta