Há muito tempo eu estou tentando falar sobre o Nintendo Play Station e sobre como a Nintendo, sem querer, criou seu pior adversário. O problema é que o site sempre se orgulhou de checar todas as informações sobre o que verdadeiramente acontece em cada caso, e isso é simplesmente impossível no caso da origem e do derradeiro e triste fim do SNES CD Play Station. As empresas não falavam muito sobre o assunto na época, afinal empresas japonesas normalmente não lavam roupa suja em público, e tinham ainda menos razão para fazê-lo visto que a Sony produzia o chip de som do SNES (e portanto continuava ganhando dinheiro da Nintendo pela produção e dos estúdios pelo uso do software de produção). Sem falar na desinformação gerada pela chuva de boatos, com informações conflitantes, advindas das revistas da época. Funcionários que se aposentaram ou se desligaram das respectivas firmas (Sony, Nintendo e Phillips), e que estavam envolvidos com o projeto à época, são as melhores fontes de informação, mas os mesmos costumam fornecer dados “contaminados” pela posição pessoal ou empresarial da época (via de regra, ex-funcis da Nintendo falando que a culpa foi da ambição da Sony; ex-funcis da Sony falando que a culpa foi das constantes mudanças de foco da Nintendo e sua resistência em abandonar os cartuchos; e os ex-funcis da Phillips falando que a culpa foi do processador do Super Nintendo, que era lento, e que trabalhar com a equipe da Sony era, na melhor das hipóteses, problemático.).
Para termos uma visão mais concisa do que ocorreu é melhor começarmos em 1988, quando Ken Kutagari, o futuro pai do Play Station (separado, o
acessório do SNES) e do Playstation (junto, o primeiro videogame da Sony), comprou para sua família (mulher e filha) um Famicon. Ademais qualquer quantidade inominável de diversão que o videogame tenha gerado para a família, Kutagari ficou “menos que satisfeito” com o aspecto sonoro do aparelho. Como engenheiro da Sony (na época uma das empresas mais conhecidas e respeitadas no mundo dos aparelhos de som, sintetizadores e instrumentos musicais eletrônicos), ele achou que conseguiria criar um chip de som melhor, com mais canais, mais definição e que trabalharia com uma biblioteca mais ampla de informações. Após comprar um novo aparelho para a família, Kutagari abriu seu Famicon e começou a brincar com os componentes, chegando a levar seu protótipo de placa de som para a Sony (aparentemente para utilizar os equipamentos do patrão no projeto dele). Durante um evento interno da Sony, Kutagari falou a Norio Ohga, então presidente da Sony, sobre seu projeto, chegando até mesmo a lhe mostrar seus protótipos.
Enquanto a maior parte das empresas japonesas (e um bom pedaço das ocidentais) normalmente ficariam furiosas em saber que seu funcionário estava gastando tempo dele em criar hardware para máquinas de outra empresa, Ohga imediatamente reconheceu a possibilidade de que Kutagari tivesse colocado as mãos em um novo filão. O presidente da Sony deu uma equipe a Ken Kutagari e a incumbência de criar um chip melhor e mais moderno do que o protótipo – eventualmente, Ohga e Kutagari sabiam, a Nintendo procuraria um novo chip para um novo console, e a Sony ganharia dinheiro não só da produção do chip como também do software de criação/edição/compilação de música para o chip. Em 1989 a ideia do Sr. Kutagari deu frutos: quando a Big N foi ao mar de empresas eletrônicas japonesas pescar por um chip de som, um PPU e um processador principal, a Sony tinha um peixão: o Sony SCP 70000!
O chip de Kutagari tinha diversas vantagens: conseguia gerar som multiplexado (com diferentes “tons”, e formando efeito de eco), com os mais diversos efeitos (reverberação, metalização, etc…) e com uma fidelidade incrível. Além disso, era baseado em uma arquitetura sonora voltada para videogame, muito próximo à do NES, o que diminuía drasticamente o tempo de aclimatação para o uso por parte das empresas que já produziam games para a Nintendo. A Big N tinha uma oportunidade de ouro de tornar a música em seus games inesquecíveis, e a Sony era uma produtora sólida e confiável, o que garantia que não haveria sobressaltos ou atrasos nas entregas dos chips. Embalada pela possibilidade que o Sony SCP 7000 abria, talvez a Nintendo não tenha prestado a devida atenção ao contrato assinado com a Sony. Eis nosso pomo de Éris, nossa maçã da discórdia!
O contrato entra a Sony e a Nintendo estipulava que: a) Tendo em vista o suprimento contínuo de chips de som do SNES a Sony tinha direito não só ao pagamento pelos chips mas também a criação de um drive de CD para ser usado no Super Nintendo; b) Se lhe fosse conveniente após o lançamento do SNES CD a Sony poderia, desde de que as especificações fossem idênticas as do conjunto SNES + SNES CD, lançar um videogame próprio com as mesmas capacidades da combinação; c) A Sony controlaria as licenças de uso do SNES CD com TOTAL RECEBIMENTO DOS LUCROS ADVINDOS DO SOFTWARE NAQUELE FORMATO!!!
Em 1991 com a SEGA colocando o Sega CD/Mega CD no mercado, o Turbografx com o drive CD² e a Phillips implacando o CD-I, a Nintendo começou a ter uma ideia de que a mídia óptica podia, realmente, ser o futuro. Enquanto seus estúdios internos começavam a pesquisar as possibilidades e limitações da tecnologia, alguém prestou atenção no contrato de 1989 e quase desmaiou. A Nintendo usou do controle das licenças como uma de suas maiores fontes de renda e como garantia que seus aparelhos teriam apenas jogos de qualidade (ou pelo menos que os games seriam aceitáveis) e dentro de parâmetros específicos de publicação (nada de sexo, nada de drogas, etc…). A perda do controle sobre essa fonte de renda e a garantia de que não receberiam um só centavo do que quer que fosse produzido no drive de CD fazia com que o aparelho da Sony ficasse mais e mais com a cara de um pesadelo.
O primeiro protótipo da Sony, o Play Station
Em desespero depois da Sony ter demonstrado à imprensa o protótipo de seu Play Station, um acessório de 32 bits para o SNES que rodaria CD interativos, a Nintendo do Japão e a Nintendo da América fizeram uma conferência e decidiram sair pela tangente. A Nintendo da América fez um acordo com a Phillips para a criação de um acessório para o SNES que rodasse Cds, mas sem todas as melhorias que o projeto da Sony estava propondo. Na CES, a Consumer Eletronic Show, de 1991, a Nintendo mostrou seu SNES para os EUA e, enquanto todos, inclusive a Sony, esperavam pela confirmação da união Nintendo + Sony, o representante da Nintendo da América soltou a bomba: A Nintendo assinou um contrato com a Philips para a produção de um drive de CD para o Super Nes, com lançamento para o final de 1992.
Não existe um só vídeo ou gravação da reação dos executivos da Sony, principalmente o time de Ken Kutagari que estava desenvolvendo o aparelho, sobre a ação da Nintendo. Mas podemos claramente imaginar que não foi: “É isso aí pessoal! A Nintendo passou a gente para trás desta vez mas vamos triunfar no fim! Biscoitos para todos!”. Tudo isso sem falar que na época a Sony e a Phillips tinham uma relação de mercado que era menos do que agradável. Bolas… a relação entre Jesus e Pôncio Pilatos era uma amizade de anos perto do relacionamento das duas empresas. Elas eram concorrentes frenéticas, esperando a mínima chance para voarem uma no pescoço da outra e a Nintendo assinou com a concorrente!!! E com uma firma não japonesa (na época havia o costume de firmas japonesas cooperarem entre si e se protegerem) ainda por cima!!!
O primeiro protótipo do videogame da Sony – que rodaria CDs e jogos de SNES – e não precisaria de SNES!
Norio Ohga, o presidente da Sony, ficou furioso e ameaçou processar a Big N, mas foi rapidamente lembrado pelo board (a mesa de executivos que tomam as decisões) da Sony que a empresa ainda fabricava o chip do SNES e que dinheiro podia ser perdido no caso de uma cisão. Além disso, havia uma imensa resistência interna por parte dos diretores mais velhos da empresa em aventurar-se no campo dos videogames. A Nintendo, por sua vez, dizia que dois Add-ons não machucariam ninguém e tentava retomar o controle das franquias, empurrando para cima da Sony o novo contrato assinado com a Phillips. Enquanto a briga entre Sony e Nintendo rolava, a Phillips apresentava ao mundo seu bem mais modesto add-on de CD para o SNES, que usaria um padrão de programação diferente do Green Book da Sony e mais próximo do padrão do Cdi. A Sony resolveu que ia criar um aparelho sozinha, que rodaria seus CD interativos assim como jogos de SNES, em lateralidade ao acessório para SNES. Com SEGA CD, Turbo Grafix, Turbo Duo, um pseudo-super-NES-que-rodava-CD-da-Sony e 2 padrões diferentes para o Super NES, as produtoras de games abriram o bico basicamente dizendo: “WTF caras! Nós não conseguimos produzir mais nada se vocês não entrarem em um acordo sobre o que realmente será feito e como!”
Squaresoft (que hoje é a Square-Enix), seguida por diversas outras empresas que produziam games para o SNES, entraram em contato com a Nintendo pedindo que a mesma fizesse “o meio de campo” e “limpasse a casa”, de forma que um só padrão de produção surgisse e permitisse que estas empresas trabalhassem nos games em CD. Forçadas pelos dois lados, as três gigantes se sentaram para chegar a uma resolução. Em maio de 1992, as três formaram um pacto para produzir jogos em apenas um padrão. A Sony desistiria de seu aparelho solitário ficando com todo o lucro de filmes e software educativos gerado pelo Add-on de CD; a Nintendo manteria o controle sobre a produção dos games e sobre as licenças; a Phillips teria direito de produzir games das franquias Nintendo para seu CDi. A board da Sony fez uma reunião extraordinária em junho de 1992 para decidir o futuro da equipe de Ken Kutagari e de seu Play Station. Embora a maior parte dos acionistas tenha sido a favor do cancelamento do programa como um todo, Ohga preferiu enviar a equipe de Ken Kutagari para o braço mais arrojado e jovem da empresa, a Sony Music, onde ele poderia continuar desenvolvendo a tecnologia em busca de uma plataforma que utilizasse mídia óptica e que produzisse gráficos poligonais em tempo real. Como chumbo trocado não dói, a partir de junho de 1992 a Sony começou a produzir jogos para o Genesis e o SEGA CD (Mostra a língua e grita: “Se aliou ao meu concorrente? Eu vou me aliar ao seu!!!).
O verdadeiro Super Nintendo Super Disk Drive!
O novo aparelho criado pela união das três empresas, batizado de Super Nintendo Super Disk Drive, foi apresentado ao
mundo no segundo semestre de 1992, com lançamento oficial marcado para o verão de 1993. Seria um acessório de 32 bits, com processadores auxiliares e que funcionaria quase como um segundo SNES preso à base do primeiro. A mídia seria o “Nintendo Super Disk”, um CD encapsulado em uma camada plástica que protegeria os dados (evitando riscos e coisas assim), evitaria cópias e garantiria um mínimo de memória para salvar os games. O acessório seria encaixada na porta serial na base do SNEs e utilizaria um cartucho especial na entrada de cartuchos, com um fio conectando o cartucho ao SNSDD (Super Nintendo Super Disk Drive). Além disso, assim como no Satella e no Super Game Boy, o cartucho teria uma entrada de cartucho menorzinha, onde cartuchos de RAM poderiam ser colocados caso fossem necessários. Com apenas um padrão para trabalhar, as empresas começaram a produzir, a todo vapor, o novo material para o SNSDD, com um Mario e um Zelda pela Nintendo, dois novos RPGs pela Square, um Street Fighter novo pela Capcom, sem falar em Cosmic Osmo, Dragon Slayer, BlackThorne, etc.
Em fevereiro de 1993, no entanto, a Nintendo colocou no mercado o jogo Star Fox, com o uso do fantástico chip FX, o que fez com o SNSDD voltasse à prancheta de projeto para receber mais uma “garibada” nas especificações antes de encarar o mercado – de forma a garantir que ele pudesse lidar melhor que o chip FX com polígonos. Na época, alguns engenheiros da área escreveram artigos expressando sua curiosidade sobre como o trio de empresas de eletrônicos (Nintendo/Sony/Phillips) iria resolver o problema da velocidade de processamento do processador central, além da largura da banda de informação entre os dois processadores de 32 bits conectados por uma serial de 12 pinos e um leitor de cartuchos de 60 pinos. O SEGA CD, trunfo da Sega para o mercado de compact disc, teve apenas uma atenção momentânea, e o Turbografix CD² também falhou em impressionar o público o suficiente para angariar boas vendas. Some a isso os desafios de realmente produzir algo diferente com a nova mídia, assim como a dificuldade de lidar com os pavorosos tempos de carregamento dos jogos, que agora deixavam um gosto amargo na boca. Dificuldades técnicas começaram a atrasar o projeto, aumentando seu já massivo custo de desenvolvimento, e enquanto a Nintendo sorria e acenava ao público, seus engenheiros e desenvolvedores tentavam desesperadamente lembrar por que mesmo é que isso era uma boa ideia. O aparelho falhava em impressionar nas demonstrações, e foi novamente adiado (principalmente porque chips como DSP da Capcom começaram a surpreender) agora para o final de 1993.
Em outubro de 1993, no entanto, a Nintendo pôs fim à ilusão. Segundo o porta-voz da Big N, a tríade Nintendo/Sony/Phillips havia encerrado sua parceria e o Super Nintendo Super Disk Drive foi cancelado. As razões apresentadas à imprensa foram duas: 1) o hardware do Super Nintendo, mesmo auxiliado pelo SNSDD, não conseguiria tirar proveito real do aumento de dados a serem guardados em um CD; 2) os tempos de carregamento e bufferização tornavam proibitivos imagens/vídeos em qualidade, quantidade e uso que fizessem diferença no planejamento, design ou criação dos jogos. Ainda segundo o porta-voz: “O Super Nintendo Super Disk Drive deveria ser o futuro, e não um SNES com músicas melhores!”. A Big N honrou sua parte no contrato com a Phillips, permitindo a ela a criação do péssimo Mario Hotel e dos escabrosos, horripilantes, desnecessários, sujos, nojentos, asquerosos e grotescos três games de A lenda de Zelda – todos para o Cdi. A Sony pareceu superar bem a perda.
Mas todos foram enganados… porque outro console foi feito.
Nas terras de Tokyo, no monstruoso prédio da Sony Music, Ken Kutagari criava em segredo, desde de o final de 1992, um novo console. Um para achar a todos, e na escuridão, aprisioná-los.
Não era o anel do Sauron e não foi criado em Mordor, mas ser enviado para o braço mais jovem e mais arrojado da Sony foi a melhor coisa que podia acontecer com o engenheiro Ken Kutagari e sua equipe. Em meio a cabeças mais jovens e abertas, com vasto conhecimento do mercado competitivo de música e com Know-how sobre a produção de Cds e o controle de licenças, o PS1 floresceu.
Ainda em 1992 a Sony começou a “recolher” novos integrantes para a equipe de desenvolvimento, criando um braço da empresa voltado ao desenvolvimento do Playstation e de games. Novos talentos na área da engenharia, design, criação, diretores de arte, compositores – todos unidos em volta da construção de um novo videogame. Em 1993, enquanto publicamente a tríade se esforçava em fazer o SNSDD funcionar, a Sony colocou Phil Harreson, que anos mais tarde se tornaria diretor da Sony Computer Entertainment Worldwide Studios, para sair pelo mundo atrás de desenvolvedoras e distribuidoras que quisessem produzir games para um novo sistema baseado em CD, e com imensa capacidade para polígonos.
A Sony continuava preparando seu Playstation e armava seu bote.
Nem bem terminaram os 90 dias contratuais que a Sony deveria aguardar antes de fazer qualquer anúncio relativo ao mercado de videogame (conforme o contrato firmado entre as três gigantes), e a empresa reuniu os desenvolvedores e distribuidoras no Tokyo Grand Hotel. Lá, demonstrou seu Playstation (agora nome próprio e tudo junto). Foi o pontapé inicial para a entrada da Sony e a consequente derrocada do mercado. Com ofertas arrojadas de parceria e com distribuição gratuita dos kits de desenvolvimento, além de uma interface mais simples para o desenvolvimento (baseada no kit de desenvolvimento do SNES) e o imenso espaço do CD, o aparelho parecia disposto a destronar o SNES, o Mega Drive/Genesis e o que mais viesse pela frente. O fato da SEGA fazer uma série de “cagadas” no lançamento do Saturn também ajudou a Sony, que se aproveitou do momento de fraqueza da competidora e lançou seu produto com preço muito abaixo do praticado (e esperado) pelo mercado. O Playstation chegou aos consumidores japoneses em outubro de 1994, e se tornou um dos videogames mais conhecidos do mundo rapidamente.
A Nintendo tentou processar a Sony diversas vezes por causa do Playstation. Primeiro alegando que o nome e o aparelho haviam sido desenvolvidos para uso em conjunto com o Super Nes – o que era uma meia verdade, visto que o projeto conjunto era bem diferente do produto final da Sony, embora baseado nas mesmas premissas. A justiça japonesa deu ganho de causa para a Sony. Novamente à cata, a Nintendo processou a rival pelo uso de um kit de desenvolvimento baseado no kit do Super Nintendo/Super Famicon. A justiça japonesa considerou os softwares diferentes, e as semelhanças eram fruto de desenvolvimento paralelo. Um novo processo ocorreu no lançamento das compilações de Final Fantasy, que embora seja um jogo da Square, foi criado para rodar no NES e SNES, e portanto utilizava-se do kit de desenvolvimento dos dois consoles. A justiça japonesa também considerou o caso improcedente, visto que o desenvolvimento já havia ocorrido e a distribuidora (no caso a Nintendo) já havia sido paga por sua participação na produção/distribuição. Entre outros embates jurídicos.
De forma superficial foi isso que ocorreu. A Nintendo partiu para o Ultra 64 (rebatizado depois de Nintendo 64) com uma recém-adquirida ojeriza de mídias ópticas, e amargou um segundo lugar no mercado de 32/64 bits e 128 bits graças ao hardware da Sony. Hoje a história é outra, graças ao Wii e o DS/3DS.
Quem diria… justiça poética!








Tenho procurado a muito tempo uma matéria sobre esse “perrengue” que aconteceu entre essa duas gigantes. Obrigado por saciar minha curiosidade de adolescente, já que as revistas da época não eram acessíveis, e boa parte delas não tinha essa linha de mostrar “o por trás bastidores” .