Senta que lá vem história: O NES/Famicom/Nintendinho

Depois de diversos sucessos vigorosos, como Radar Scope e Donkey Kong, a Nintendo estava pronto para seu próximo passo: O mercado doméstico de videogame. Masayuki_Uemura e Gumpei Yokoi projetaram um sistema de 8 bits baseado em um chip baseado na tecnologia MOS6502  incompleto, produzido, a época, pela Ricoh, lançando em 15 de julho de 1983, no Japão, por Y$ 14.800,00 (aproximadamente US$ famicom164,95), com três games (todos ports de arcades de sucesso, Donkey Kong, Donkey Kong Jr e Popeye). O primeiro modelo tinha botões quadrados, que acabavam por fixar-se no fundo e não voltar, além de prenderem unhas de senhoras desavisadas, além disso a placa mãe enviada a Nintendo para os primeiros lotes haviam sido armazenadas de forma incorreta na distribuidora e os sistemas criados com elas acabavam por “brikar” (termos que especialistas em informática usam para quando o sistema se desliga para proteger componentes vitais), desligando o Nes no meio da jogatina. Mostrando desde cedo a posição que teria de fronte ao seu público, em um ato bastante revolucionário para a época, a Nintendo fez um recall total de peças e trocou as placas, assim como os controles, que receberam botões circulares e mais macios.

Em 1984, com o mercado de console domésticos japonês indo de vento em popa para a Nintendo, Hiroshi virou seus olhos para o mercado, destruído, de consoles nos EUA. O Crash de 83 e 84 havia passado e videogame era uma coisa esquecida e enterrada na mentalidade dos americanos. Para não ir de frente a um mercado fragilizado, a Nintendo tentou duas saídas: a) Contatou a Atari, para lançar o NES sob seu nome, como Nintendo Advanced Video Gaming System – que a Atari, demonstrando mais uma vez seu despreparo para o mercado, negou a oferta, apegando-se a relançar o Atari 7800; b) Tentou lançar o NES/Famicon, como um computador mesmo, com teclado, data recorder (não deixe o nome pomposo te assustar, era um gravador de fitas cassetes, usado para salvar dados dos programas criados em BASIC), controles sem fio (?! – isso era 1984!), pistola e um cartucho especial de BASIC, com o nome de NINTENDO Advanced Video System;

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Ambas não lograram êxito.

Com a experiência na bagagem, a empresa pôs-se a desenhar um sistema que lembra-se muito nes-x-famicommais um videocassete (VCR), com um carregador de carts frontal, sob o qual descia uma tampa de plástico, apelidado de ZIF – Zero insertion force – que permitiria colocar o cartucho sem esforço algum. Isso distanciaria a imagem do NES (o nome sob o qual o Famicom foi lançado nos EUA, que significava NINTENDO ENTERTAINMENT SYSTEM) dos outros consoles, evitando a associação com a crise dos game de 83/84. Além disso a Nintendo passou a fazer um controle estrito do que seria ou não seria lançado em seu console e, para evitar piratarias e lançamentos não oficiais, implementou no NES o famigerado, 10NES Autentication Chip, ligado aos 4 pinos finais de um dos lados do cartucho, o sistema se conectava a um chip verificador no cabeçote de leitura do NES. Chip com Chip – OK, o jogo carregava. Chip com qualquer outra coisa…. iria ser uma tarde bastante chata. É claro que poeira, envelhecimento, parafusos frouxos, umidade e uma série de outros fatores poderiam corromper o funcionamento do 10NES, causando a famosa tela verde (ou azul, ou preta, dependia do cartucho) ou o console ligar e desligar de novo. Qualquer um com um NES lembra de deliciosas horas tentando fazer um cartucho (principalmente um de locadora, que eram os mais judiados) funcionar… as vezes em vão. Além disso os acessos de Ram, Rom e leitura do NES americanos, deveriam ser diretos, daí a diferença do número de pinos no leitor (60 na versão japonesa, 72 na americana). Parecia bom no papel, garantindo maior rapidez aos games e mais leveza ao trabalho do processador, mas na prática se provou uma péssima idéia,  pois impediu o uso de diversos chips de aprimoramento, como o VRC6, utilizado para criar mais dois canais de som e um sampler em Castlevania 3, o que fez diversos games americanos ficarem inferiores a suas versões japonesas. O Zif também se provou uma idéia pouco prática, visto que o tempo e a corrosão acabavam desgastando as conexões entre o cartucho e o leitor do NES, dificultando a leitura. O fato de que diversos acessórios como o Game Genie e alguns games não-oficiais exigiam que o sistema trabalha-se meio curvado e com a tampa aberta não auxiliou em nada as suscetibilidades do aparelho. Curiosamente, depois de dizer durante anos que não havia problemas em um número significativo de ZIFs do NES, a Nintendo deu o braço a torcer e lançou seu NES CLEANING KIT, para limpar o leitor/cabeçote do NES assim como os cartuchos (principalmente a área do 10NES).

Como os controles do Famicom eram presos ao console, o Famicom automaticamente vinha com dois controles, sendo que um detalhe Famicom_controllersinteressante era que o segundo controle não possuía select ou start, e sim um microfone no lugar – que era usado em poucas partes dos jogos e basicamente em games produzidos pela própria Nintendo, que no final optou por cortá-lo da versão americana (é por isso que no manual do Zelda I, um dos inimigos tem em sua descrição que ele odeia sons altos… você gritava ao microfone para espantá-lo).  E nós aqui achando que o DS era revolucionário. No Pulse_Line_Carts_Donkey_Kong_Jrentanto o Famicon não vinha com nenhum game, mas os games podia ser comprados separadamente por volta de Y$  2.600,00 (aproximadamente US$ 29) e os primeiros cartuchos ficaram conhecidos como Pulse Lines Cards, visto que tinham um rótulo frontal com uma espécie de pulso elétrico da mesma cor do cartucho, com o Famicom_Biography5nome do game em chinês, japonês e inglês – essa estética prevaleceu até 1984, quando Devil World foi lançado com duas capas, a pulso elétrico e a normal, com desenhos.  Vale ressaltar aqui que o Famicom, tinha apenas um entrada de acessórios e controles extras, que ficava na frente dele (lembre-se, os controles eram hardwired) e que os cartuchos, ao contrários dos blocos cinzas que só se diferenciavam pelo label do NES, eram de diversos formatos, tamanhos e cores. Além disso tudo o Famicom tinha uma porta serial de dados na base… mas já voltamos a utilidade dela já já!

O lançamento do NES foi um pouco diferente, colocado no mercado americano em 18 de outubro de 1985, ele tinha controles removíveis (e sears-catalog-1992-pg504-NES_fullportanto todos os acessórios iam direto na porta dos controles e foi lançado junto a 18 cartuchos,  10-Yard Fight, Baseball, Clu Clu Land, Donkey Kong Jr. Math, Duck Hunt, Excitebike, Golf, Gyromite, Hogan’s Alley, Ice Climber, Kung Fu, Mach Rider, Pinball, Stack-Up, Super Mario Bros, Tennis, Wild Gunman, and Wrecking Crew, em dois bundles (são como pacotes promocionais nossos, compre o console, leve três jogos e por aí vai):  O mais baratinho (que foi o que a maior parte das pessoas teve… inclusive este que vos fala), o Control Deck, vendido à época por US$ 199,99, que possuía dois controles e o cartucho Super Mario Bros e o “de gente”, que eu só vi duas pessoas que tinham, o Deluxe Set, vendido por US$ 249,99, que vinha com dois controles, o R.O.B. (Robotic Operated Body – um brinquedo transvestido de robô que supostamente jogava games com crianças solitárias) a Zapper (a pistola “light-gun” do NES, o famicom tinha sua própria versão, mas enquanto a Zapper era diretamente chupada da pistola Zillion, com visual moderno e cor cinza, a Light Gun do Famicom parecia com um revolver de 6 tiros de verdade… podemos entender porque a Nintendo optou por Video_Shooting_Series_Light_Gun4uma pistola bem menos realista) e dois games, Duck Hunt (ah! Saudades das tardes de chuva, bolinhos, também de nes_zapperchuva, tubaína e muitos patos mortos) e Gyromite. Mas durante a vida útil do NES ele foi repaginado diversas vezes, primeiro com o Basic Set, lançado em 1987, que tinha o console, com dois controles (o mais duradouro dos bundles, o Basic Set foi vendido até o lançamento do NeX, o Nes redesenhado em 1993); o Nes Action Set, em novembro de 88, que substituiu os dois bundles iniciais por um com dois controles, Zapper e um cartucho duplo com Super Mario Bros e Duck Hunt; em dezembro de 88, com o lançamento do Power Pad (um acessório que permitia que você corresse ou joga-se games de forma mais física, mas na verdade era um tapete com sensoresnes_satellite 250px-Robotic_Operating_Buddydentro… falhou miseravelmente e não emagreceu nenhum gordinho) houve outro bundle, Power Set que vinha com dois controles, Zapper, o Power Pad e um cartucho triplo (OK… isso está começando a ficar ridículo) com, adivinhem, Super Mario Bros, Duck Hunt e World Class Track Meet (um jogo com diversos esportes para se fazer usando o Power Pad); em 1990 surgiu o Sports Set, que vinha com o NES Satelite (um acessório que permitia utilizar os controles de forma wireless, desde que estivessem grosseiramente na mesma linha do receptor de sinal, além de permitir até quatro jogadores simultâneos), 4 controles e um cartucho duplo com, tcham tcham tcham, nes_power_padnão é Mario (aleluia) e sim Super Spile V´Ball e Nintendo World Cup; e por fim o último bundle, o Challenge Set, que incluía dois controles e Super Mario Bros 3, lançado em 1991 (e retratado no catalogo sears, de 92, acima).

O lançamento na Europa ocorreu em duas frentes,  utilizando o hardware americano adaptado para funcionar em PAL (o sistema de cores que as Tvs européias, e brasileiras, usavam) a 50 Hz  (o que fazia os games mais lentos nos consoles europeus).  Na chamada região A (os cartuchos, consoles e até acessórios vinha com a letra “A” bem grande na caixa) que incluía Reino Unido, Irlanda, Itália, Austrália (?!) e Nova Zelândia (?!?!) o videogame foi distribuído pela Matel (sim, a mesma do Intelivision); na região B, que correspondia ao restante da Europa, diversos distribuidores representaram a Nintendo. O lançamento Europeu ocorreu em 1986 e o sistema nunca chegou, oficialmente, ao bloco socialista.

Disk_System_Biography9Disk_System_Biography8Lembra-se da entrada serial que falamos anteriormente, então… ela serve para o Famicom Disk System (HVC-022) que foi lançado em 21 de Fevereiro de 1986, numa join-venture pela Nintendo e a Mitsumi Electronics Co. e que consiste em um drive de discos semelhantes ao 3 ½, que ainda era conectado na entrada de cartuchos para facilitar o acesso a RAM. A decisão de criar o Disk Drive, ou FDS, partiu da Nintendo que queria sanar os problemas dos jogadores que queriam salvar seus jogos (lembre-se que a bateria de save, como a utilizada em Zelda e Crystalis, é cara e exige diversos componentes de precisão), além de permitir jogos maiores e mais Disk_System_Biography2detalhados e, PASMEM, a capacidade de gravar e regravar jogos nos discos. Isso mesmo… espalhados pelo Japão haviam diversos quiosques, com um sistema que, com o passar de seu cartão de crédito ou com notas de dinheiro (a máquina fazia o troco e tudo) era possível gravar um ou mais jogos em um disco, dos nove disponíveis em cada máquina – mais de 100 jogos foram criados para o FDS, e todos, sem exceção, estiveram em algum momento nos quiosques.  Vários jogos que ficaram conhecidos nos EUA no formato de cartucho surgiram no Disk Drive: Zelda e Zelda 2, Super Mario USA (a versão de Doki Doki Panic que se passava por Super Mario Bros 2 nos EUA), Castlevania (com direito a melhorias no som e nos gráficos), além de games que nunca virão versões americanas, como Bio Miracle Bokutte Upa da Konami. Ainda no Disk Drive vale a pena comentar o bom humor dos programadores da Nintendo – quando o sistema era ligado mas nenhum disco era inserido, a historinha abaixo se desenrolava, dizendo ao jogador “Ponha o maldito jogo ou desligue isso!”.

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Luigi, nas pontinhas dos pés, vem desligar o logo do Disk Drive

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Mario pega ele no flagra!

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Mario religa o luminoso (Alguém de verde vai levar um coça!)

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Mario confronta Luigi (E aí… )

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E Luigi dá no pé, com Mario em seu encalço… se você deixar mais tempo ligado a histórinha se repete

Por fim o Disk Drive, embora parece-se um presente dos deuses, acabou por caminhar na direção do desaparecimento. Novos chips surgiram, Disk_System_Biography5permitindo efeitos gráficos e sonoros que só eram possíveis via cartucho e os jogadores se cansaram dos loads (lembre-se, era 84/89, tudo mundo estava acostumado com cartuchos e cartuchos tem carregamento instantâneo) e dos constantes problemas com os frágeis discos, que podiam apagar seu game… ou pior, seu save, fazendo você ter que reiniciar o processo todo. Além disso, o leitor do Disk Drive era muito sensível e a correia que fazia o disco rodar era feita de uma borracha que acabava por secar e se partir. Problemas mecânicos que foram remediados com o tempo, mas que acabaram por encaminhar o Disk Drive para o limbo. Ah… antes que eu me esqueça… havia também a questão financeira da pirataria… os discos do Disk Drive eram mais baratos de piratear que os cartuchos e como não havia trava eletrônica (apenas uma trava mecânica, dentro do leitor havia um sistema de alto relevo que trazia gravado a palavra Nintendo, com o I e o segundo N mais fundos, onde destes maiores se afundavam… se o sistema não batesse com o formato do disco, o game não iniciava. Algumas empresas começaram então a fazer discos afundados ou com nomes como nInjeNdo e nInteM, entre outros.) eles se tornaram uma praga que a Nintendo descobriu ser muito difícil de combater… foi a hora de voltar aos cartuchos.

Além da diferenças das pistolas, já citadas acima, havia outros acessórios que surgiram de forma diferente, ou nem surgiram, no NES, mas que eram febre no Famicom. Um dos exemplos que surgiram, de forma diferente nos dois, foram as TVs Sharp com o console embutido, a Sharp C1, no Japão que Sharp_COne2era bem mais bonita e utilizava as cores do Famicom, e a SHARP 19SV111, que era um trambolho bizarro que mais tarde foi SHARP19V111redesenhada para SHARP 19SC111. Outro exemplo bastante adequado são os óculos 3D: Nos EUA eram feitos de papelão e tinham uma lente verde e outra vermelha… mas no Japão, eram duas telas de LCD, com freqüências diferentes, que recebiam informação do seu Famicom, pegando as imagens que cintilavam pela tela e agrupando-as em uma imagem tridimensional bastante real, lúcida e límpida. Nada, nada a ver mesmo, com aquela tosqueira que se via na versão americana.  Alguns exemplos de acessórios que só surgiram no Famicom, foram o teclado, o data recorder (e o cartucho de BASIC) e três outros, que como o Disk Drive, se eu só relatar, você não vão acreditar em mim.

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Pois bem, candidato número 1: Karaoke Studio… sim, é isso mesmo, era um sistema que ia na entrada do cartucho com entradas para um ou dois microfones, e que permitia, adivinhe… fazer Karaoke. A febre dos japoneses, na sua casa. Infelizmente, embora o produto seja passível de encontrar por um preço até razoável nas lojas de artigos eletrônicos antigos mundo afora, é bom afiar seu japonês antes de qualquer coisa, pois todas as músicas, com a exceção de “Jingle Bells” estão em japonês. O acessório foi relançado mais duas vezes com novas músicas, sob o nome de Karaoke Studio Top Hits 20 Vol. 1 e Vol. 2. Vai entender.

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Candidato número 2: Exciting Boxing Inflatable Set. O que parece pelo som… pois se segure porque é muito pior do que parece. Exciting Boxe era uma cópia xexelenta e sem graça de Mike Tyson Punch Out, mas ele foi lançado, no Japão , em uma edição que vinha com um boneco inflável sobre o qual era colocado um sensor, registrando a direção e a força do golpe aplicado. É claro que considerando que o personagem principal do game, tinha, sei lá, uns 10 golpes diferentes, não era assim um… Wii! O item se tornou lendário de tão raro… e eu posso entender porque… deve ser difícil explicar para a namorada/esposa, o que aquilo era, quanto mais tomar coragem para vendê-lo.

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Candidato número 3: Top Rider. E já que estamos no papo dos infláveis, porque não mais um? Top Rider vinha em um Kit, com uma manopla de controle para Bike, o cartucho e, preste muita muita atenção no que eu vou falar, UMA CÓPIA DE UMA MOTO DE CORRIDA PARA O TAMANHO DE UMA CRIANÇA, INFLÁVEL, e eu juro, por tudo que é mais sagrado, que eu não estou inventando isso. Você enchia a moto, colocava o “guidão” nela (e se sua inteligência permitisse, a outra ponta no Famicom), colocava o cartucho e vrum vrum vrum… você fora transferido para o maravilhoso mundo das corridas de moto japonesas. Nuff Said…. infelizmente.

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Por mais mágico que o NES/Famicom fosse, ele não era eterno. No finalzinho de 89 a SEGA entrou pesado no mercado com seu Mega Drive, e seus 16 bits de processamento, permitindo trazer os Arcades para casa. Mais do que isso a SEGA resolveu seguir o caminho da Nintendo, e embora seus resultados no Japão tenham sido exíguos, na melhor das hipóteses, uma profunda e poderosa campanha de Marketing (Genesis does, what Nintendon´t) deu uma fatia considerável do mercado americano para a concorrente. O Mega Drive, com o nome de Genesis nos EUA, reinou supremo, até 1991… quando um outro monstro surgiu:

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Até a próxima galera…

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Sobre Marcel Bonatelli

Historiador de games e jogador inveterado eu respondo todas as suas dúvidas sobre games e o mercado de games no site minicastle.org ou no email marcelbonatelli@minicastle.org

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